quinta-feira, 30 de julho de 2015

Nutrição emocional

Desde que pensei em engravidar e virar mãe, o universo me atraiu pessoas, informações que me levaram a refletir e tomar consciência das minhas escolhas, viver meu "enxoval" da gravidez acumulando informações de qualidade e viver meu parto de maneira ativa, decidindo por acolhimento e afeto na recepção da minha filha ao mundo. E maternidade é um caminho diário de escolhas que nós fazemos para os nossos filhos até que eles possam fazer suas próprias escolhas. E que elas sejam de afeto, pois um dia seremos lembranças para eles, e que tipo de lembranças queremos ser? E numa sociedade do material, do imediatismo, do industrializado, da medicalização, trago um texto maravilhoso da Tainá Bandeira, uma pessoa querida, amiga e cineasta, que nos convida a repensar nossas escolhas quando se trata de nossos filhos. Gratidão: ​O cérebro humano pode acumular ao longo da vida incontáveis memórias, que cobrem desde momentos da mais tenra infância até os anos mais maduros. A lembrança do tempo passado no útero, as acomodações e contrações do mistério inacessível em que seu corpo se formou, essa lembrança, no entanto, lhe é vedada. Junto com o esquecimento completo dos nove meses que passou dentro do ventre, o ser humano tampouco tem lembrança (consciente, pelo menos) das suas primeiras experiências de nutrição, de cuidado e de proteção. Dos primeiros contatos com o seio da mãe aos primeiros engasgos, do gosto do leite materno ao aconchego do corpo que alimenta, trata-se de uma gama de memórias e sensações que, se fosse possível ser acessada, poderia elucidar algo. E algo de essência energética, afetiva e emocional. ​A nutrição que uma mãe e um pai podem prover ao filho é de vital importância para a sobrevivência da criança. É uma alimentação biológica que mantém o corpo da criança ativo, desperto e em crescimento. Tão importante quanto ou mais importante do que essa é a alimentação afetiva, que envolve todos os sentidos, todo o corpo e toda a alma do ser em desenvolvimento. Não há um único grama de caloria vazia nesse nutriente que é tão imaterial quanto natural – o afeto – e que será o combustível com que a criança (e mais tarde o adulto que ela se tornar) irá percorrer o mundo. Não há excesso desse nutriente e nem limite para o quanto se pode ingeri-lo. Não engorda e não faz mal. Ao contrário dos alimentos, que entram em nosso sistema e que exigem do organismo quantidades consideráveis de energia para sua digestão, as somas de amor que recebemos nada exigem do corpo. Nada pedem dos órgãos. Simplesmente alimentam e preenchem e assim nos fazem plenos. Entre a saciedade da fome do corpo, e a saciedade de uma outra fome que talvez possamos chamar de “emocional”, desenvolvem-se o bebê e todas as suas necessidades. E cada umas dessas necessidades aponta para a construção de um ser humano capaz de realizar tudo aquilo que conhecemos por humano: pensar, criar, inventar, sonhar. Cada gesto que o bebê aprende a realizar (digamos, empilhar blocos coloridos uns sobre os outros) é fruto de milhões de anos de evolução, e cada passo seu é uma conquista e uma realização do potencial da natureza. Tão nutritivo quanto o alimento que foi combustível para esse passo é o amor dos pais que ensinaram e encorajaram e que, ao fazê-lo, deram à criança asas para todos os voos. É possível que os distúrbios alimentares e as compulsões que assolam nossa cultura hoje sejam fruto direto da carência primordial desse elemento chamado afeto. Os alimentos se tornaram objeto de tanto escrutínio que se torna difícil pensá-los como aquilo que de fato são: combustível. Comida se tornou símbolo de uma série de coisas que não a mais sábia fonte com que a natureza nos presenteou para a saciedade da necessidade energética de nossos corpos. Comida se tornou uma espécie de tampão emocional, um consumo excessivo que nos afasta temporariamente das ansiedades e dos medos. As privações afetivas da infância retornam com fúria e terminam quase sempre entaladas na garganta, como bocados de comida mal deglutida. Em um cenário desequilibrado de excesso alimentar e de emoções indigestas, a criança vai crescendo. E aquele bebê que ficou sem a satisfação de suas necessidades básicas, as de amor e de cuidado, cai vítima de tantos símbolos, adentrando o labirinto da adolescência com o corpo já mitigado pela dúvida e pela insegurança.

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